Como a moda usa mão de obra escrava e como você dará um fim nesta história

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Existem 35,8 milhões de escravos no mundo! Só no Brasil, são 220 mil. E nós, não temos consciência da gravidade deste número. Se escrevermos o número por extenso, fica assim ó: 35.800.000 de pessoas. Se você fizesse parte deste exército, seria uma gotinha no oceano, mas, com certeza teria consciência de quão dolorida é esta situação, mas, felizmente para você, este é apenas um exercício de ficção. Por isto, é melhor colocar sua capacidade empatia para fora. Será necessário, pois precisamos criar com urgência novas relações de consumo.

Aproximadamente 12 milhões de escravos estão na Ásia e na região do Pacífico. Grande parte destas pessoas trabalha para a indústria têxtil. E nós somos levados a pensar que é um grande negócio comprar de empresas que mandam produzir suas peças lá. Não é.

Veja que interessante: enquanto a produção de têxteis caiu vertiginosamente nos Estados Unidos e na Europa, a exportação subiu muito (isto seria quase lógico), mas o que mais importa é que nunca as grandes varejistas de moda, todas com sede no Velho Continente ou na América do Norte, lucraram tanto. E que mágica fez isto acontecer? Como pode algo ser produzido em um continente e dar lucro em outro? O truque é tão simples quanto perverso.

O que acontece é que as grandes empresas estavam sufocadas pela legislação trabalhista e ambientalista dos países ricos, que já não queriam mais lidar com problemas de saúde crônica e nem com tanto lixo industrial, já que estavam tão próximos do limite. Então, as empresas perceberam que era possível concentrar o processo criativo nas sedes e mandar a produção para países onde a legislação fosse, digamos, mais frouxa e, especialmente, mais barata.

Assim, criou-se o modelo atual de produção, que é chamado de “Sweatshop”. Ele é o mecanismo através do qual se pulveriza todo o processo. Contrata-se diversos fornecedores, cada um sendo responsável por uma etapa específica do ciclo produtivo. Então, tecnicamente, na chamada lei fria, as grandes empresas deixam de ser responsáveis pela produção. Esta passa a ser responsabilidade dos fornecedores. Só que os fornecedores subcontratam ateliês menores, que, por sua vez, contratam operários em situações muito precárias, que são forçados a trabalhar durante jornadas sem fim, ganhando misérias e estando sempre com uma dívida muito alta com os seus “empregadores”. Assim, diminuem-se enormemente os gastos das grandes varejistas e as margens de lucro chegam à estratosfera.

O inconveniente deste modelo era pesado de mais para ficar na conta da indústria. Precisava-se transferir a culpa para o consumidor. Sobrou para o marketing limpar toda esta sujeira. E o que ele fez foi nos brindar com o “fast fashion”. Veja que maravilha, mandaram nos avisar que queríamos roupas baratas e que tivessem uma vida útil curta porque afinal de contas somos fúteis e volúveis e queremos usar roupas diferentes todos os dias. E nós acreditamos, caímos como patos.

Eu sei que é meio desanimador pensar que a Europa e os EUA, que pensávamos tão desenvolvidos, capazes de criar leis rígidas no combate ao trabalho mal remunerado e aos danos causados pela indústria ao meio ambiente, têm as mãos sujas. Infelizmente, é real. Eles limpam o quintal de casa e mandam os países pobres fazerem o trabalho pesado.

Mas não é só lá. No Brasil, onde no exato momento em que você lê este texto há cerca de 220 mil escravos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem investigado uma série de denúncias de trabalho forçado sendo usado ostensivamente no setor têxtil. Infelizmente, as condenações são poucas, quase nulas porque as Empresas alegam que não têm controle sobre quem seus fornecedores contratam para executar os serviços solicitados. Cruel, né? O que bons advogados não fazem, não é mesmo? Enquanto isto, no xópim mais perto de você o cheirinho da loja é um convite para comprar uma pecinha só, na liquidação.

Dá uma olhada na lista das grifes que foram pegas pelo MPT usando mão de obra escrava apenas nos últimos cinco anos:

2014
Renner _ novembro de 2014
As Marias _ agosto de 2014
Seiki _ julho de 2014
Unique Chic _ março de 2014
Atmosfera _ fevereiro de 2014

2013
M.Officer _ novembro 2013
Fenomenal _ agosto de 2013
Le lis Blanc e Bo.Bô _ junho de 2013
Cori, Emme e Luigi Bertolli _ março de 2013
Gangster _ março de 2013
Hippychick _ janeiro de 2013

2012
Talita Kume _ julho de 2012
Gregory _ maio de 2012

2011
Zara _ agosto de 2011
Collins _ maio de 2011
Pernambucanas _ abril de 2011

2010
775 _ novembro de 2010
IBGE _ outubro de 2010
Marisa _ março de 2010

Se você quer saber sobre cada um destes casos, eu recomendo fortemente este Especial da ONG Repórter Brasil.

Estamos diante de um problema seríssimo, que vai muito além da moda. Há escravos nas lavouras de cana e na indústria automobilística, assim como na mineração. Para nos livrarmos desta realidade tão dura e convenientemente negligenciada pela mídia nacional (viva os anunciantes), precisamos de novas atitudes. É preciso olhar para os nossos desejos de consumo e entender quais os impactos que eles causam. É isto ou seremos coniventes com esta história. É por isto que é tão importante você saber o que está comprando, onde foi feito, em que condições, com que material. A responsabilidade é sua, sim. Basta uma pequena mudança de postura da sua parte para que comecemos a construir um novo futuro. É preciso se importar de verdade. Tem 35,8 milhões de pessoas dependendo de você.

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* Os dados do primeiro parágrafo são do levantamento anual feito pela Walk Free.

** Os dados do segundo parágrafo são da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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